Antes de passarmos ao assunto deste mês do Plano de Voo, gostaria de comentar sobre o último memo do Howard Marks, publicado no início desta semana. No fim do texto, Marks elenca as escolhas que um investidor pode fazer sobre sua estratégia frente a o cenário de juros baixos que vivemos hoje:
- Invista como você sempre fez e espere por retornos menores
- Reduza o risco para se proteger do alta nível de incerteza e aceite retornos ainda menores
- Alocar tudo em caixa, com juros praticamente em zero, e esperar por um cenário mais favorável
- Aumente o risco para tentar retornos maiores
- Procure por nichos e investimentos alternativos
Veja que nenhuma escolha é perfeita e todas tem que ser avaliadas em termos de risco e retorno, além dos seus objetivos e estratégias. As duas primeiras são auto explicativas, mas da terceira em diante Marks fez alguns comentários.
Alocar tudo em caixa, com juros praticamente em zero, e esperar por um cenário mais favorável
Ele se diz contra esta alternativa, afinal você terá um retorno de 0% esperando um correção que pode nunca acontecer.
Aumente o risco para tentar retornos maiores
Marks diz que essa alternativa deve funcionar, mas não é garantida – especialmente quando diversos investidores estão tentando a mesma coisa. Ele ainda diz que o alto grau de incerteza lhe diz que esse não é o momento ideal para tal ação, já que a expectativa de retornos menores no futuro não compensam o risco.
Procure por nichos e investimentos alternativos
Ele acredita que investimentos alternativos e privados tem um potencial de melhores barganhas. Porém, Marks lembra que tal movimento diminui a liquidez e o investidor fica exposto ao risco do gestor.
Então lembre-se: cada escolha feita tem um contraponto, e este deve ser medido com cuidado antes de implementar qualquer mudança.
Agora sim, podemos passar ao assunto principal!
Os índices de mercado são uma importante ferramenta para os investidores compararem como seus investimentos se comportaram em determinado período. Com crescimento dos investimentos passivos nos últimos anos, eles ganharam uma grande relevância, já que a inclusão (ou exclusão) de uma empresa na sua composição pode fazer com que diversos fundos tenham que comprar (ou vender) a ação rapidamente e a qualquer preço.
Se pegarmos os três maiores ETFs que seguem os S&P 500, por exemplo, temos um valor sob gestão de quase USD 700 bilhões:

Imagine o impacto disso no preço de uma ação que é incluída no S&P 500. De repente, um volume de bilhões de dólares faz com que ele suba sem mudanças nos fundamentos da empresa.
Tivemos um bom exemplo este ano com a Tesla. A empresa se tornou candidata a ingressar no S&P 500 após seu quarto trimestre consecutivo de lucro (uma das exigências do índice), tendo em vista que seu valor de mercado já a colocava entre as maiores empresas do mundo. Muita gente apostava nisso, inclusive, com o preço das ações da empresa subindo.
Mas, apesar de ter atingido todos os critérios técnicos para sua entrada no índice, o comitê responsável (US Index Committee) pelo S&P 500 decidiu não incluir a Tesla. O motivo não foi divulgado, mas provavelmente a alta volatilidade dos preços foi um fator determinante para a decisão. O gráfico abaixo mostra a queda de 21% nos preços das ações após a divulgação da notícia:

Mudanças no funcionamento de um índice não são exclusividade dos mercados internacionais. Em 2013, a (hoje) B3 mudou a forma de cálculo do Ibovespa pela primeira vez em 45 anos depois que as oscilações do principal índice de ações do Brasil foram contaminadas pela OGX.
Outro caso clássico recente dos últimos anos foi a inclusão do mercado de ações chinesas na família de índices MSCI, que é responsável pelos principais índices de ações internacionais, dentre eles o de países emergentes.
Com o crescimento da economia chinesa, investidores e até o governo chinês começaram a se preparar para a inclusão das ações negociadas na China, conhecidas como A-shares (antes somente as negociadas em Hong Kong, H-shares, faziam parte do índice). Apesar disso, a MSCI demorou para tomar essa decisão sofrendo pressões do governo para acelerar a mudança mesmo sabendo que ainda existiam dificuldades para os investidores estrangeiros negociarem as ações do mercado local.
Depois de algumas negativas, no ano passado, finalmente, as A-shares entraram no índice. E desde então, começaram a ganhar bastante relevância na composição do MSCI Emerging Market Index (índice que o Brasil, em 2008, tinha o maior peso entre os países que o compunham com 17,6%). Hoje, a China tem quase 40% do total com a Ásia chegando a quase 80%:

No universo de renda fixa a situação não é diferente e um exemplo é o índice de bonds conversíveis feito pela Bloomberg (que comprou o negócio da índices do Barclays), o Bloomberg Barclays U.S. Convertible Liquid Bond Index.
Quando decidimos investir nessa classe de ativos para compor a alocação de high yield no portfólio dos nossos clientes comparamos a rentabilidade de alguns fundos com um ETF que segue o índice da Bloomberg. O ETF tinha boa vantagem sobre grande parte dos fundos (nos lembrando do debate ativo x passivo), porém ao tentar entender a diferença nos deparamos com a sua composição (vou mostrar somente os três maiores pesos):

Cerca de 10% de Tesla (e, acredite, esse número era próximo a 20% quando vimos a primeira vez)! Isso explicava a diferença na performance, já que a alta das ações da empresa ajudaram muito na performance, enquanto os fundos que estávamos analisando tinham um peso muito menor (ou não tinham nada) nos bonds conversíveis de Tesla.
Ter uma grande exposição em Tesla nos seus bonds conversíveis não nos parece adequado e descartamos completamente uma exposição a esse tipo de ativo através de ETFs. O investidor que não vai atrás para entender o funcionamento e a composição do índice e simplesmente escolhe comprar um ETF certamente esta se expondo a riscos desnecessários. Ou seja, simplesmente escolher um ETF sem entender o índice que ele segue (ou comparar um índice com um fundo sem saber saber as diferenças na composição) podem trazer resultados bastante indesejados ao portfólio de um investidor.
Em conclusão, é muito importante desmistificar algumas crenças sobre investimentos através de índices entendendo melhor sobre seu funcionamento. Nem sempre os índices são transparentes sobre as regras de sua composição ou apresentam uma adequada diversificação, na verdade muitas vezes acontece o contrário. E, talvez ainda mais relevante, não pode se descartar a existência de lobby e até pressão política sobre os provedores de índices para influenciar o processo de tomada de decisão.
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Originalmente enviado aos clientes da Inva Capital em 16/10/2020.