No primeiro artigo dessa série, diferenciamos preço de valor (“preço é o que você paga, valor é o que você leva”) e que o investimento em ações de uma empresa negociadas em bolsa ou em uma de capital fechado é basicamente o mesmo; a única diferença é a cotação diária das ações. Finalizamos o texto mostrando os dois tipos de análises utilizados para chegarmos ao valor de uma empresa/ação: a análise relativa e o fluxo de caixa descontado.
Uma semana depois, focamos na análise relativa e seus principais indicadores (P/L, P/VP e EV/EBITDA). O importante a se lembrar aqui é que a análise relativa não calcula o valor intrínsenco de uma empresa, mas sim o valor que o mercado estaria disposto a pagar naquele momento.
Diferentemente da análise relativa, o Fluxo de Caixa Descontado (FCD) nos dá o valor intrínseco de uma empresa, e não quanto o mercado pagaria por ela no momento. Por outro lado, e também diferentemente da análise relativa, o resultado de um FCD é aberto a discussões e pode variar muito de pessoa para pessoa.
O conceito do FCD é bem simples: projetamos os fluxos de caixa futuros de uma empresa e os trazemos ao presente utilizando uma taxa de desconto apropriada ao risco. Simples, não?
Como gostamos de equações (e quem não gosta?), vamos colocar essa definição em termos matemáticos:
Basicamente, temos “três” variáveis na equação: os fluxos de caixa (FC), o tempo de projeção (i) e a taxa de desconto (k, que é uma média ponderada entre o custo de capital próprio e de terceiros). O três está entre aspas porque o número de fluxos de caixa irá depender do tempo da projeção.
Já vimos como a taxa de desconto é calculada no Plano de Voo enviado em 30 de maio. Utilizamos o CAPM (Capital Asset Pricing Model), que tem três (dessa vez sem aspas) variáveis: taxa livre de risco, beta (risco sistêmico, o do mercado como um todo é 1) e o prêmio de risco (quanto a mais de retorno um investidor precisa para se expor ao risco).
O tempo de projeção vai depender da empresa, mas dificilmente passa de 10 anos. Geralmente, utilizamos cinco anos.
No último termo da equação do FCD, temos a perpetuidade. Ela é necessária na maioria dos casos, pois assumimos que a empresa continuará em operação indefinidamente (se você sabe que uma empresa terá uma duração certa, esse termo não é necessário). Adaptando a equação às considerações feitas acima, chegamos ao seguinte resultado:
Note que mais um termo apareceu: o “g”. Ele é o crescimento que a empresa terá indefinidamente e seu limite máximo não pode superar a taxa de crescimento da economia do país em que a empresa está localizada, pois no infinito a empresa seria maior que a economia do país.
E é isso. Essa é a teoria por trás de um fluxo de caixa descontado.
O problema é que o resultado depende dos dados de entrada; então, se entra lixo, o resultado será lixo (ou em inglês, GIGO: garbage in, garbage out). Além disso, pequenas mudanças em algumas variáveis podem ter grande impacto no valor da empresa.
Alguns analistas misturam a análise relativa com o FCD, o que fere a lógica de ambos os métodos. Ao invés de calcular o termo da perpetuidade, não é difícil encontrar relatórios que usam o EV/EBITDA, por exemplo.
Há também aqueles que calculam o valor pelos dois métodos separadamente, atribuindo um peso para cada e chegando a um valor final.
Em empresas com menor liquidez, não é difícil encontrar o famoso desconto de liquidez. O analista pega a média de negócios de uma ação na bolsa e compara com um limite (não há regra para esse limite!) e retira 25% a 30% do resultado do FCD (também não há regra para esse desconto!!).
Você deve ter percebido que a criatividade é grande e é possível chegar a qualquer resultado em um FCD. Por isso, temos que tomar cuidado ao ler um relatório de recomendação de uma empresa. Muito mais importante do que o valor justo apresentado no relatório é saber como ele foi obtido (se o crescimento usado é condizente com o que a empresa apresentou até o momento, se a taxa de desconto é compatível com o nível de risco etc.).
No próximo artigo, vamos mostrar como fazemos um FCD para colocarmos em prática tudo o que foi escrito aqui.
Originalmente enviado aos clientes da Inva Capital em 07/11/2014.