Muitos investidores preferem ações de empresas que pagam bons dividendos, pois gostam de ver algum dinheiro caindo em sua conta. É verdade que, no Brasil, temos uma vantagem tributária nos dividendos, que são isentos de IR para pessoa física. Mas será que faz alguma diferença?
Em teoria, não!
Primeiro, vejamos como o dividendo é pago. Como exemplo, a empresa X (sem qualquer relação com Eike Batista) tem o seguinte balanço:
Se ela pagar 10 em dividendos, o balanço ficaria assim:
Veja que para pagar o dividendo, há uma redução no Patrimônio Líquido da empresa. O funcionamento é o mesmo para as empresas negociadas em bolsa. Como seu patrimônio líquido (as ações) é negociado em bolsa, seu valor é reduzido em uma determinada data. Assim, se a ação é negociada a 10, e a empresa anuncia um dividendo de 1 por ação, o valor dela passará a ser 9.
Portanto, não há diferença entre a ação a 10 ou ela a 9 mais um dividendo de 1. Você terá 10 nos dois casos.
Mas por que, então, os investidores gostam tanto de dividendos?
Além do aspecto psicológico de ver dinheiro entrando em conta, as empresas que pagam dividendos (em sua grande maioria) possuem características como:
- boa geração de caixa
- histórico de lucratividade
- receitas constantes e previsíveis
- maduras
A lista não é exaustiva, mas, mesmo assim, conseguimos chegar a conclusão de que empresas que pagam bons dividendos são as mais “chatas”. O preço das ações não varia muito, sua receita cresce de forma constante e mesmo durante as crises elas conseguem se sair bem. Ou seja, o investidor terá noites tranquilas.
E, claro, dividendos são importantes para os investidores que seguem uma estratégia de renda, ou seja, realmente precisam deles para o seu dia a dia.
Agora vamos pensar do lado da empresa. Por que ela paga dividendos?
Basicamente, para dividir parte do seu lucro com os acionistas.
Mas há um “custo” para isso, já que os executivos e o conselho da empresa devem decidir entre pagar os acionistas ou usar o dinheiro para reinvestir no negócio. Por isso, as boas pagadoras, usualmente, são empresas maduras. A época de investir pesadamente no negócio já ficou para trás. Como exemplo, veja a Microsoft ao longo do tempo. Entre 1986 e 2002 a empresa não pagou um centavo sequer aos seus acionistas, para começar apenas em 2003 (pontos azuis no gráfico):
A teoria nos diz que a empresa, no longo prazo, cresce o que ela retém do seu lucro (RR) multiplicado pelo retorno do patrimônio líquido (ROE). Então, se ela paga 100% do seu lucro em dividendos para os acionistas, ela crescerá 0%.
Se deixarmos de lado a necessidade de renda de alguns, podemos concluir que os investidores deveriam preferir o pagamento de dividendos se eles conseguirem investi-los em algo que tenha uma maior rentabilidade que o retorno do patrimônio líquido da empresa.
É por isso que a empresa de Warren Buffett, Berkshire Hathaway, nunca pagou dividendos. Ele acredita que conseguirá um retorno maior para seus acionistas, do que eles conseguirão em outro lugar. Além dele achar que dinheiro demais na mão de gestores pode dar resultados péssimos, pois com excesso de capital os gestores podem exagerar em planos de investimentos ineficientes e pecar nos controles de gastos. Por outro lado, se a empresa tiver um ROE baixo, será melhor para o investidor que ela pague proventos.
A métrica mais usada para saber quais empresas são boas pagadoras de dividendos é o dividend yield. Sua fórmula é bem simples e de fácil aplicação:
Usualmente, utilizamos os dividendos pagos nos últimos 12 meses no numerador. Apesar de facilitar os cálculos, isso não ajuda muito, afinal estamos interessados no que ganharemos no futuro. Mas, como sabemos, projeções são bastante difíceis de serem certeiras.Já no denominador, basta colocar o preço atual da ação.
Vamos a um exemplo prático.
A Oi, que passa por um atribulado aumento de capital e mudança de controle, vem aparecendo nas listas de maiores dividend yields na mídia. Segundo o site de relações com investidores da empresa, ela pagou R$ 0,3049 em dividendos nos últimos 12 meses (uma vez só em 30/09/13). O preço atual da ação (fechamento em 30/04) é R$ 2,14. Jogando esses valores na fórmula:
Quem não gostaria de ganhar 14,25% sobre seu investimento?
Mas, nem sempre as coisas são como parecem. Vamos analisar a fórmula do dividend yield em mais profundidade e tentar entender melhor as razões por trás deste número.
De cara, é fácil chegar à conclusão de que quanto maior o dividendo, maior será o yield, e quanto menor o preço da ação, maior o yield. Formalmente, o dividend yield é proporcional ao dividendo e inversamente proporcional ao preço da ação.
Pronto, você tem as ferramentas necessárias para analisar o dividend yield de uma ação.
Voltando a Oi, será que seu yield é tão alto assim devido a um dividendo realmente grande ou ao fato de sua ação ter despencado, pois a empresa precisa fazer grandes investimentos em sua rede, tem alto endividamento e, mais recentemente, mostrou que não liga para seus acionistas minoritários?
Com uma pergunta tão enviesada assim, a resposta fica fácil: o único motivo de o dividend yield da Oi ser tão alto assim é porque sua ação despencou em 2013 (-49,37%) e esse ano (-40,39%).
Se voltarmos no tempo, para 31/12/12, o preço da ação (OIBR4) era R$ 7,91. Supondo que conseguimos projetar o dividendo pago durante 2013 com precisão. Teríamos:
Bem menos, não? Esse breve, e simples, exercício nos mostrou que o único motivo da empresa ter um dividend yield tão alto é a queda de suas ações.
Quem comprou as ações da Oi no final de 2012, amargou uma queda de 53,22% no preço e um ganho de 3,85% em dividendos para um resultado final de -49,37% em 2013. Isso nos mostra que focar exclusivamente em dividendos é um grande risco.
No nosso terceiro email da série de finanças comportamentais (enviado em 18/04), falamos sobre o viés da contabilidade mental. Escrevemos o seguinte:
2 – Contabilidade mental
Sabe quando você tratamos dinheiro de forma diferente? Pois então, esse é o viés da contabilidade mental. Muita gente categoriza o salário diferentemente do bônus, por exemplo. Isso leva os investidores a construírem seus portfólios em camadas para atingir diferentes objetivos. Além disso, a separação dos resultados em ganhos/perdas realizados ou não, dividendos, entre outros acaba dando um peso maior a ativos que gerem rendimentos, resultando em rentabilidades menores.
Consequências
- O portfólio do investidor acaba tendo um risco maior que o esperado, já que não há foco em seu retorno total.
Como corrigir
- Olhar o portfólio como um todo.
- Não categorizar os retornos (um dividendo de 3% com uma alta de 7% é a mesma coisa que uma alta de 10%).
Dividendos são simplesmente uma forma de retorno. Se o categorizarmos de forma diferente, corremos o risco de ter uma Oi em nossa carteira exclusivamente pelo dividendo, correndo grandes, e desnecessários riscos.
Obviamente, existem investidores que necessitam de rendimentos para seu dia-a-dia. Mesmo assim, é melhor focar no retorno total da sua carteira do que simplesmente correr atrás dos dividendos. Afinal, você prefere ganhar 10% em rendimentos enquanto a ação cai 20% (para um resultado geral de -10%) ou comprar uma boa empresa que não pague dividendos e suba 15%?
No final das contas, você pode vender parte do seu investimento e criar sua própria política de dividendos – lembrando que vendas de até R$ 20 mil por mês são isentas de IR.
Para encerrar, vamos a outro exemplo. Um investidor tem a possibilidade de escolher entre investir R$ 100.000,00 na empresa X ou Y. As duas são negociadas a R$ 10, mas a empresa X tem uma política de pagamento de dividendos e a Y não.
Durante o ano, a empresa X pagou R$ 1,00 em dividendo por ação, mas viu seus papéis ficarem estáveis. Já a Y, não pagou proventos, mas teve valorização de 20%. Assim, a cotação da X encerrou o ano em R$ 9,00 (já ajustando para os dividendos pagos) e a Y em R$ 12,00. A tabela abaixo resume os cenários:
Qual das duas opções você escolheria?
Originalmente enviado aos clientes da Inva Capital em 25/04 e 02/05 de 2014.